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Propae e política de cotas garantem ingresso e permanência de PcD na UEM
Notícias de Maringá
Publicado em 23/09/2024

Os relatos de Marina, 28, e Wesley, 33, cujas fotos abrem este texto, simbolizam a trajetória de conquistas e avanços das políticas de inclusão na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Também representam os desafios enfrentados diariamente por mais de 18,6 milhões de pessoas no Brasil. Comemora-se, neste sábado (21), o Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência.

“É um dia para a sociedade reconhecer a força do público-alvo da educação especial e das pessoas com deficiência. É um dia para mostrar que existimos, que estamos presentes, que temos direitos e que temos sentimentos. Enfim, que somos seres humanos, e que podemos chegar aonde queremos”, afirmou Marina Silveira Bonacazata Santos, doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE/UEM).

“Não há ninguém que possa pôr limites a outra pessoa. Este dia representa isso, o desejo de que as pessoas com deficiência não sejam limitadas, mas que os limites sejam aonde elas almejam chegar. Basta apenas a sociedade contribuir para que isso aconteça”, completou Wesley Diniz Vieira, graduando em Direito pela UEM.

As trajetórias de ambos os estudantes na Universidade contam com um aliado importante: o Programa Multidisciplinar de Pesquisa e Apoio à Pessoa com Deficiência e Necessidades Educativas Especiais (Propae), vinculado à Pró-Reitoria de Ensino (PEN). Há exatos 30 anos, o Propae lidera a luta pelos direitos e pela permanência das pessoas com deficiência (PcD) na UEM. Mais recentemente, a política de cotas para PcD foi instituída na Universidade e assumiu o protagonismo do ingresso deste público no ensino superior. Conheça, abaixo, mais detalhes sobre o programa e sobre as histórias dos estudantes.

 

Propae e política de cotas

Em 1994, quando foi criado, o Propae era um projeto de extensão. Na época, o programa prestava assistência a PcD da comunidade externa à UEM, principalmente por meio de parcerias com escolas da rede pública. “É só em meados dos anos 2000 que o Propae se torna um programa de atendimento exclusivo à comunidade interna da UEM, justamente por conta do aumento do ingresso de pessoas com deficiência na Universidade e a necessidade de termos uma iniciativa bem estruturada para receber este público”, explicou a atual coordenadora do Propae, Hilusca Alves Leite.

A presença de PcD na comunidade acadêmica da UEM continua crescendo, o que se deve, principalmente, à recém aprovada política de cotas para PcD nos concursos para ingresso na graduação. Desde 2023, a UEM reserva 5% das vagas de cada curso para este público, tanto nos vestibulares, quanto no Processo de Avaliação Seriada (PAS) e no Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

No início de 2023, por exemplo, o Propae atendia cerca de 60 pessoas. Hoje, conforme a coordenadora, mais de 130 estudantes recebem algum tipo de assistência do programa. Entretanto, o número total de PcD entre alunos, docentes e servidores da instituição pode ser ainda maior. “O Propae atende por demanda, então, conforme um aluno nos procura e apresenta um laudo, nós abrimos um cadastro, passando a atuar juntamente com o aluno. Porém, alguns alunos são diagnosticados como PcD ao longo ou após a graduação, e também há estudantes que preferem não se identificar, então esse número total é difícil de precisar”, explicou a coordenadora.

As ações do programa buscam viabilizar o ingresso, a permanência e a terminalidade dos estudos aos acadêmicos em condição de deficiência ou de necessidade educacional especial (NEE). Para tanto, o Propae assessora a gestão da UEM na definição e na condução da políticas para atendimento a este público, bem como procura alternativas para a melhoria das condições de permanência desses acadêmicos na Universidade.

O Propae possibilita, por exemplo, que os estudantes atendidos tenham acesso a recursos educacionais adaptados, como impressões em braille e em fonte ampliada ou textos digitalizados em formato acessível a alunos com baixa visão. Além disso, o programa promove o acompanhamento dos alunos durante a realização de avaliações ou atividades de estudo, auxilia o transporte e a locomoção dos estudantes dentro do câmpus e realiza projetos de ensino, pesquisa e extensão, além de outras intervenções pontuais.

Para atender à demanda crescente, o Propae conta com uma equipe fixa formada por sete profissionais, entre docentes e servidores técnicos, que atuam em assuntos pedagógicos e administrativos. Além disso, o programa soma 60 bolsistas do Programa de Monitoria Especial e nove de um projeto de extensão que faz a adaptação de materiais didáticos para estudantes PcD. Também fornecem suporte às atividades do Propae dez intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras), vinculados à PEN.

A atuação do programa se estende, ainda, à comunidade externa. O Propae representa a UEM no Conselho Municipal de Defesa do Direito da Pessoa com Deficiência (CMDDPD) e no Fórum Estadual de Educação Especial das Instituições Estaduais de Ensino Superior (IEES) do Paraná.

Conforme a coordenadora, a consolidação e a expansão das atividades do Propae são alguns dos objetivos para o futuro do programa. “No momento, o desafio é fazer essa expansão com qualidade, com profissionais capacitados para trabalhar na área de educação especial. Estamos trabalhando em uma comissão para regulamentar o atendimento educacional especializado na UEM, justamente para garantir a entrada desses profissionais” explicou. A expectativa é que, em um futuro próximo, o Propae possa se tornar um núcleo ou uma diretoria, o que ampliaria sua atuação junto à comunidade da UEM.

A sede física do programa está localizada no Bloco B33 do câmpus sede, junto à PEN. Estudantes, docentes ou servidores que necessitarem de assistência ou orientação podem contatar o Propae por meio do telefone (44) 3011-4448 ou do e-mail sec-propae@uem.br.

Para obter mais informações, também é possível consultar a página do Propae no site da PEN, ou o perfil do programa no Instagram.

 

Educação especial

Estudante da UEM há nove anos, Marina Silveira Bonacazata Santos é um nome importante da luta pelos direitos das pessoas com deficiência na Universidade.  

Marina tem paralisia cerebral, uma deficiência físico-motora, causada por complicações em seu parto prematuro. Desde criança, ela precisa de ajuda para se locomover - hoje, o faz com o auxílio de um andador - e enfrenta problemas de visão.

Natural de Marília-SP, a jovem se mudou para Maringá em 2015, quando ingressou no curso de Ciências Biológicas na UEM, seguindo os passos da irmã gêmea, Carolina, formada em Farmácia. Após concluir a graduação, nas modalidades licenciatura e bacharelado, a estudante se tornou mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática (PCM) e, hoje, cursa o 3º ano do doutorado em Educação. Também se graduou em Pedagogia pela Uninter, na modalidade a distância.

Além das dificuldades inerentes ao ensino superior, Marina enfrenta, diariamente, os desafios decorrentes de sua deficiência. Durante toda a graduação, ela recebeu assistência constante do Propae. “Eu tinha uma monitora na minha sala, que me ajudava, principalmente, na locomoção entre um bloco e outro. Ou, se eu precisasse, por exemplo, de água, ela buscaria para mim. Não precisei de materiais adaptados ou algo assim, mas sei que o Propae também oferece esse tipo de auxílio”, relatou.

Ao longo de sua trajetória, Marina também recebeu apoio de professores e colegas que cita com gratidão. Em especial, ela destaca a professora Jani Alves da Silva Moreira, do Departamento de Teoria e Prática da Educação (DTP), que a orienta no doutorado e já o fazia durante a graduação. A docente coordena o Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Educacionais, Gestão e Financiamento da Educação (Gepefi/UEM), do qual Marina participa desde 2016. “Um ponto chave, que fez com que eu me encontrasse dentro da UEM, foi a minha entrada no Gepefi. Lá, eu me senti acolhida, fui vista pela minha capacidade e não pela minha deficiência, e recebi apoio de fato”, contou.

O papel da estudante na luta pelos direitos das pessoas com deficiência na UEM não se restringe a sua história pessoal. A jovem integrou a comissão que chancelou a criação de cotas para PcD nos processos de ingresso da UEM. “Com certeza, avalio a política de cotas como uma conquista muito grande para as pessoas com deficiência”, opinou.

Os planos de Marina para o futuro incluem um possível pós-doutorado e, posteriormente, o exercício da docência universitária. “Sempre gostei da licenciatura e sempre soube que eu queria ser professora. Quero poder, um dia, lecionar na UEM”, projetou.

Enquanto isso, a pesquisadora já colhe os frutos de sua carreira acadêmica. Na semana passada, em São Paulo-SP, Marina lançou o livro “Políticas Públicas e o Público-Alvo da Educação Especial (PAEE): estado do conhecimento sobre a inclusão no ensino de ciências”, durante a Bienal do Livro.

A obra é resultado da dissertação de mestrado da autora, realizada na linha de pesquisa intitulada “Formação de Professores de Ciências e Matemática”, do PCM/UEM. A pesquisadora buscou compreender como pesquisas na área de ensino de Ciências têm incorporado políticas públicas e a inclusão do Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE) na educação básica e em trabalhos que versam sobre o ensino superior. O recorte temporal utilizado foi de 2008 a 2020.

 

Acessibilidade e direitos

Wesley Diniz Vieira ingressou na UEM em 2022, por meio de um vestibular exclusivo para PcD realizado naquele ano. Antes, o servidor público da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) já havia iniciado outra graduação em uma universidade particular, mas teve dificuldades com a falta de acessibilidade, e interrompeu o curso.

Vieira tem deficiência visual total congênita. A condição é causada pela atrofia do nervo óptico, que o impede de enxergar desde que nasceu, há 33 anos. Ao cursar o 3º ano do curso de Direito na UEM, ele tem, no Propae, um parceiro essencial para sua permanência estudantil. “Depois que eu passei no vestibular, o programa já me procurou e entrou em contato comigo, antes mesmo que eu o procurasse. Hoje, não dá para imaginar a UEM sem o Propae. É um programa de suma importância, porque ele acolhe as pessoas com deficiência nas suas diversas especificidades”, elogiou.

Residente de Sarandi-PR, Vieira usa o transporte público para chegar à UEM diariamente. Dentro do câmpus, o Propae auxilia a locomoção do estudante, tanto quanto a bengala e os pisos táteis. “Se eu preciso aprender um caminho novo ou ir a algum lugar que eu não conheço, eu peço às meninas do Propae que me ensinem o caminho. Basicamente, uso o Propae para poder andar dentro da UEM”, afirmou o estudante.

Nos estudos, a tecnologia também é aliada. Vieira tem acesso a materiais educacionais digitalizados, que permitem o uso de um leitor de tela. Dessa forma, ele acessa livros e textos didáticos, bem como resolve atividades e avaliações. “Hoje, graças à tecnologia, conseguimos ter um dinamismo maior. Por exemplo, o mesmo livro a que os outros alunos têm acesso, eu posso encontrar em PDF. Se eu preciso de algum material específico, o Propae também ajuda e digitaliza. Então, hoje, faço tudo em formato digital”, contou. 

Os maiores desafios, segundo Vieira, ainda dizem respeito à mobilidade. “Principalmente em relação às questões arquitetônicas, ainda há muito a evoluir, por serem dificuldades que afetam múltiplas deficiências. Mas sabemos que estão sendo feitas melhorias e que a Universidade está se preocupando com a acessibilidade”, projetou.

O sonho de Vieira é justamente que as conquistas e avanços conquistados pelas PcD não fiquem restritos aos muros do câmpus - quando graduado, ele pretende advogar em causa das pessoas com deficiência. “Quero explicar os direitos que as pessoas com deficiência têm e demonstrar que essas pessoas podem conquistar muitas coisas por meio dos direitos que elas já possuem”, planejou.

 

Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência

Celebrado em todo o Brasil, o Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência foi oficializado por meio da lei federal nº 11.133, de 14 de julho de 2005. O objetivo é ampliar a conscientização sobre a inclusão das PcD nos mais diversos setores da sociedade, bem como estimular o respeito aos diferentes corpos.

Antes mesmo da oficialização, a data já era comemorada pelo Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD) desde 1982. O dia escolhido coincide com o início da primavera - tal como a estação do ano em que ocorre o desabrochar das flores, a data simboliza o nascimento das reivindicações em prol da igualdade e dos direitos das PcD.

As primeiras instituições que promoviam trabalhos de apoio às pessoas com deficiência no Brasil consolidaram ações associadas aos sentidos de caridade e benevolência. Com o crescimento dos movimentos sociais, os aspectos de identidade e pertencimento foram fortalecidos, e as iniciativas intensificaram a promoção de políticas públicas que atendessem aos direitos das PcD.

(Vinicius Guerra/UEM)

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