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Setembro azul: a crescente presença da comunidade surda na educação
Notícias de Maringá
Publicado em 27/09/2024

Você sabia que setembro é marcado pela luta e valorização da identidade e cultura da comunidade surda? Conhecido como setembro azul, neste mês destacamos às conquistas e os desafios que os estudantes surdos enfrentam no Brasil.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 10 milhões de brasileiros (cerca de 5% da população) apresentam algum grau de deficiência auditiva, sendo que 2,7 milhões possuem surdez profunda.

No que diz respeito à educação, dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) apontam que, em 2023, existiam 62.192 estudantes surdos e deficientes auditivos matriculados na educação básica. Desse total, 55.932 estavam matriculados em classes comuns e 6.260 em classes ou escolas bilíngues de surdos. No Ensino Superior, as universidades brasileiras registraram 4.842 matrículas de estudantes surdos.

De acordo com o Programa Multidisciplinar de Pesquisa e Apoio à Pessoa com Deficiência e Necessidades Educativas Especiais (Propae), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), em 2024, estão matriculados nove alunos surdos nos cursos de Arquitetura, Artes Cênicas, Artes Visuais, Direito, Educação Física, Filosofia, Pedagogia e Letras, nos câmpus de Maringá, Cianorte e Ivaiporã. Também estão contratados três professores surdos, atuando no Departamento de Língua Portuguesa (DLP).

Hoje (26), no Dia Nacional dos Surdos, reforçamos da importância de uma educação inclusiva de qualidade, do ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e da presença de organizações de assistência social, como a Associação Norte Paranaense de Áudio Comunicação Infantil (Anpacin) e o Propae.

Anpacin e a inclusão educacional

Fundada em 1981, a Anpacin surgiu com o objetivo de contribuir para o processo de inclusão e habilitação, garantindo a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes surdos ou com outras deficiências auditivas associadas. A Associação é mantenedora do Colégio Bilíngue para Surdos de Maringá, localizado dentro da UEM, e atende crianças a partir dos 4 anos, oferecendo aulas desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. 

Para a diretora pedagógica, Ana Dalva Arciê Botion, um dos maiores desafios ao longo dos anos tem sido a escassez de professores bilíngues capacitados. Os professores contratados devem ser formados na área/disciplina em que pretendem atuar, em educação especial e em Letras/Libras.

Cabe destacar que toda a equipe do colégio (atualmente 29 funcionários) é proficiente em Libras, sendo esta a primeira língua utilizada e a língua portuguesa, na modalidade escrita, a segunda.

Por ser espaço de referência, a Anpacin busca inovar em suas estratégias de atuação. Duas vezes ao ano, a entidade oferece aulas de Libras para a comunidade externa. Ela também fecha parcerias com as atléticas da universidade, oferecendo a quadra para a prática de esportes em troca de atividades recreativas no colégio.

Importância da Libras

Em conversa com Alberto Freiberger Bernardinelli, professor de Libras DL, ele reforça a importância de os alunos ouvintes terem contato constante e conhecimento da cultura surda. “A língua de sinais é uma comunicação visual. É importante conviver com a pessoa surda usuária de Libras, que tem sua própria identidade surda e língua.”

Bernardinelli nasceu surdo profundo e foi aluno do Colégio Bilíngue para Surdos no Ensino Fundamental e Médio. Ele possui graduação em Administração pelo Centro Universitário de Maringá (2012) e em Letras/Libras pela Faculdade Eficaz (2016). Também é pós-graduado em Educação Especial e Inclusiva, Libras, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD).

“Alguns pensam que é mais fácil a comunicação em português”- Alberto Freiberger Bernardinelli, professor de Libras

Para o professor do DLP, a existência de uma legislação valorizou a comunidade surda e a educação começou a ter prioridade. Como exemplo, tem-se o aumento do número de professores surdos nas universidades. “No entanto, algumas pessoas ainda têm preguiça de dar atenção à cultura surda e têm interesse em escutar apenas os ouvintes. Alguns pensam que é mais fácil a comunicação em português nos departamentos, e há aqueles que  preferem professores ouvintes para trabalhar na área de Libras para facilitar a comunicação”, compartilha o docente

A Libras é um sistema linguístico de natureza visual-motora utilizado como meio de comunicação e expressão da comunidade surda. Ela é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão desde 24 de abril de 2002, por meio da Lei nº 10.436/2002 e Decreto nº 5626/2005.

Sendo uma língua oficial da comunidade surda brasileira, e segunda língua oficial do Brasil, ela possui uma gramática própria e é constituída pela configuração das mãos aliadas a movimento, direção, ponto de articulação e expressões faciais.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), são mais de 300 variações usadas em interpretações com sinais no mundo. Cada país possui uma língua de sinais própria. Como exemplo, temos a dos Estados Unidos - American Sign Language (ASL), a da Argentina - Lengua de Señas Argentina (LSA) e a da França - Langue des Signes Française (LSF).

O ensino de Libras se tornou obrigatório nos cursos de formação de professores de Pedagogia, Fonoaudiologia e das licenciaturas. No entanto, a carga horária pequena (68h) ainda não contribui como o esperado para a integração do surdo na sociedade ouvinte.

Surdos no Ensino Superior

 

A trajetória de Isabela Ferreira Gomes é mais um exemplo de luta e presença no Ensino Superior.

Para ela, além da Lei nº 10.436, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/2015) foi essencial para a inclusão. “Os surdos conseguiram se posicionar e ser vistos. As leis garantem direitos para que possamos ser representados, e dão liberdade para a língua ser reconhecida como língua”. Gomes também destaca a importância da lei que regulamenta a profissão do intérprete, o que contribui para valorizar ainda mais a comunidade.

“Os surdos conseguiram se posicionar e ser vistos”- Isabela Ferreira Gomes, estudante 

Isabela Gomes nasceu surda profunda e começou a frequentar o Colégio Bilíngue para Surdos aos 4 anos. A escola foi o local onde ela teve contato com a Libras pela primeira vez. “Lá, você se comunica, adquire sua língua e se sente mais confortável. Você fala e te entendem”, contou. 

Seu processo de entrada na UEM foi angustiante. Ela tentou o vestibular pela primeira vez durante a pandemia, mas os equipamentos de proteção, na época de uso obrigatório, atrapalharam visualmente o trabalho dos intérpretes durante a aplicação da prova. Sua segunda tentativa foi por meio do Vestibular para Pessoas com Deficiência (PcD), e “Graças a Deus”, brincou, teve sucesso. “Tivemos um fiscal que sabia que eu era uma PcD e respeitou meu direito de surda. Assim consegui sinalizar e ver o intérprete sinalizar. Eu tive meu direito garantido”, afirmou. 

Ao ser questionada sobre os principais desafios que enfrenta diariamente, a acadêmica explica que o principal deles é a comunicação. “Quando participo de palestras, são os ouvintes que preparam os eventos. Eu chego e não há intérprete. E a acessibilidade? Eu sou surda e universitária. É importante ter a presença do intérprete em todos os espaços da instituição. Isso precisa ser contínuo.”

Atualmente, existem dez intérpretes de Libras que fornecem suporte às atividades do Propae. No entanto, o número ainda é desigual em relação à quantidade de alunos surdos, o que acaba gerando um desgaste pela intensa carga horária de trabalho. “Nós ficamos limitados a ir em todos os espaços da universidade por conta disso. Fica aqui o pedido por mais intérpretes”, frisou.

Em relação às conquistas, ela enfatiza o papel fundamental do Propae na sua carreira acadêmica. “Ele (Propae) garantiu a minha inclusão dentro da universidade. Tudo o que eu preciso, eu venho aqui e tenho essa assistência e interação. Hoje eu sou monitora de aluna surda. O que aprendi lá atrás, passo para ela como monitora.”

Por fim, a estudante reforça que a língua de sinais é fundamental para vivermos em sociedade. “Para a continuidade da inclusão entre surdos e ouvintes, a resposta é a comunicação”, finalizou. 

Setembro azul 

A escolha do mês se dá por um conjunto de datas comemorativas e marcos históricos. São elas:

6 a 11/9 - Em 1880, ocorria o Congresso de Milão, uma conferência internacional sobre a educação das pessoas surdas. A data marca um retrocesso ao proibir o uso das línguas de sinais.

23/9 - Celebrado o Dia Internacional das Línguas de Sinais. A data escolhida é em homenagem ao dia em que a Federação Mundial dos Surdos foi criada, em 1951.

26/9 - Comemora-se o Dia Nacional dos Surdos. A data foi instituída por meio do decreto-lei n° 11.796. O dia escolhido é em homenagem à fundação da primeira escola de surdos do Brasil, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines).

30/9 - É o Dia Mundial do Tradutor. A data foi proposta pela Federação Internacional de Tradutores (FIT) em 1991. O intérprete/tradutor de Libras é reconhecido como profissional pelo decreto-lei.  

(Ana Laura Correa/UEM)

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