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Cientistas negras brasileiras são homenageadas em novo livro de passatempos do “Meninas e Mulheres nas Ciências”
20/11/2020 16:42 em Notícias do Paraná

No dia nacional da Consciência Negra, professoras e estudantes da UFPR que integram a equipe do Projeto de Extensão “Meninas e Mulheres nas Ciências” lançam o livro de passatempos “Cientistas Negras: Brasileiras – Volume 1”, disponível gratuitamente (acesse no link ao fim do texto). O objetivo da obra é divulgar o protagonismo das cientistas negras brasileiras, impulsionando a educação e divulgação científica em uma perspectiva descolonizadora e humanizadora. 

O material aborda os assuntos por meio de atividades lúdicas, tais como caça-palavras, palavras cruzadas e desenhos para colorir. No primeiro volume, são contadas as trajetórias de 15 cientistas negras brasileiras de diferentes campos de conhecimento. Na capa, as nove cientistas ilustradas simbolizam as grandes áreas de conhecimento. Uma delas, a professora Rita de Cássia dos Anjos, das Ciências Exatas e da Terra, é professora e pesquisadora de destaque na Universidade Federal do Paraná (saiba mais sobre ela abaixo). 

A coordenadora do projeto, professora Camila Silveira, do departamento de Química, enfatiza a importância da obra para o fortalecimento e reconhecimento de referências intelectuais negras no campo das Ciências. Ela também destaca que as contribuições de cientistas negras são presentes em todas as produções do “Meninas e Mulheres nas Ciências”, mas uma obra com foco exclusivo nestas mulheres é uma ação de reverência e reparação histórica. 

As autoras do livro são majoritariamente negras, o que também colabora com o sentimento de pertencimento, representatividade, autoafirmação, lugar de fala e expressão da intelectualidade destas mulheres. A professora Claudemira Lopes, do Setor Litoral, considerou o processo de escrita coletiva como uma “experiência maravilhosa”. Ela ainda aponta que o tema mexeu com a sua subjetividade.  “Permitiu que eu, uma mulher negra, historicamente silenciada, pudesse, com a minha escrita, estabelecer uma luta simbólica no campo da autoria”. 

A estudante de Química e também autora do livro Jaqueline Ramos sempre soube que era uma mulher negra não só pela cor da pele, traços e cabelos, mas também pelos olhares, comentários e situações racistas das mais diversas.  "Sentir-se sozinha em uma ilha de brancos/as no sul do país é uma realidade nociva e que muitas vezes não traz perspectiva de futuro para muitas meninas que não se veem em lugares de poder”. 

Mayara Brasil, estudante de Geologia e autora, examina que o livro produzido é um avanço na ampliação de referências positivas sobre as mulheres negras do Brasil por trazer destaque para a produção de cientistas “que são historicamente apagadas dentro do meio acadêmico”. 

Aprendizado que também ensina
Para a professora do Departamento de Física e autora Alessandra Souza Barbosa, a produção do livro foi um grande aprendizado pela oportunidade de conhecer mais sobre grandes cientistas negras. Ela destaca "as histórias inspiradoras, com sucessos e muita, muita superação”. 

Jaqueline pondera que a escrita do livro significou nova perspectiva, não só para ela, que vivencia "uma academia branca, europeia e conteudista", mas principalmente para meninas negras que se sentem como ela já se sentiu. "O mundo é nosso e nós somos a mudança”, reflete. 

Para Mayara, contribuir com o livro foi “muito enriquecedor”, pois ela pôde aprender e aprofundar seus conhecimentos sobre as cientistas retratadas, tornando-as referências pessoais. Além disso, ela reforça a importância de trabalhar ao lado de mulheres que enxergam a educação como a base de transformações sociais. 

Alessandra reafirma a dificuldade de ser cientista negra, um lugar de preconceito de gênero e  preconceito racial. "Essas questões precisam ser debatidas para que possamos ter no futuro um mundo mais justo para todas e para todos”.  

O livro
O livro impulsiona a Educação para o Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, com destaque para as temáticas de Saúde e Bem-Estar, Educação de Qualidade, Igualdade de Gênero, Redução da Desigualdades e Paz, Justiça e Instituições Eficazes. 

Além da obra, o projeto lançará ainda outros passatempos em formato online sobre o tema. Também estão em produção materiais didáticos analógicos, como livros impressos e jogos. A partir de 2021, escolas e pessoas físicas poderão realizar empréstimos para o trabalho em sala de aula e/ou remoto. 

Mais informações sobre as ações e produtos do “Meninas e Mulheres nas Ciências” podem ser acessadas no Blog (https://meninasemulheresnascienciasufpr.blogspot.com/) e nas redes sociais Facebook (https://www.facebook.com/mulheresnasciencias.ufpr) e Instagram (https://www.instagram.com/mulheresnasciencias.ufpr/). 
O e-mail para contato é: mulheresnasciencias.ufpr@gmail.com 

As mulheres na capa
1) Neusa Santos Souza (Ciências da Saúde) 
2) Rita de Cássia dos Anjos (Ciências Exatas e da Terra) 
3) Enedina Alves Marques (Engenharias) 
4) Katemari Rosa (Multidisciplinar) 
5) Simone Maria Evaristo (Ciências Biológicas) 
6) Sueli Carneiro (Ciências Humanas) 
7) Nilma Bentes (Ciências Agrárias)  
8) Luiza Bairros (Ciências Sociais Aplicadas) 
9) Conceição Evaristo (Linguística, Letras e Artes). 



Rita de Cássia dos Anjos: representatividade que chega às galáxias
Antonia sempre foi uma mulher curiosa, de abrir objetos que estragavam para ver como consertar. Também tinha um quê de vanguarda: mãe de oito filhos numa cidade do interior de São Paulo, aconselhou-os sobre os estudos e deu a deixa para formar uma grande cientista em casa: "não aceite as coisas como elas sãos", dizia para Rita de Cássia dos Anjos, professora do departamento de Engenharia e Exatas do Setor Palotina e uma das vencedoras do prêmio “Programa Para Mulheres na Ciência 2020”, promovido pela L’Oréal Brasil, Unesco Brasil e Academia Brasileira de Ciências. 

Rita não aceitou e, hoje, é uma das estrelas do livro de passatempos “Cientistas Negras: Brasileiras – Volume 1”, representando uma área muito associada à cultura masculina: as ciências exatas. Seu objeto de estudo são as galáxias Starburst, investigadas como possíveis fontes de raios cósmicos de altas energias, mas o interesse pela Astrofísica começou a ser identificado após a graduação em Física Biológica, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). No mestrado, estudou Teorias de Campos Integráveis e Sólitons. No doutorado, propagação de raios cósmicos extragaláticos, ambos na Universidade de São Paulo (USP) - e foi para Harvard, a mais prestigiada universidade dos Estados Unidos, como bolsista da Capes. 

A cientista alcançou grande visibilidade em 2020 por conta do prêmio em que se candidatou pela terceira vez e que vai lhe ajudar a comprar um equipamento de ponta e a remunerar uma bolsista por um ano. Todas as vencedoras são mulheres, mas só ela e mais uma são negras. E é aí que a formação acadêmica de Rita e sua biografia começam a ganhar um contorno crítico - meninas e mulheres negras precisam de exemplos para realizarem seus sonhos. 

"A desigualdade destrói o sonho de qualquer mulher negra. É preciso que a gente dê grandes passos em ações e políticas públicas para minimizar esse problema. As ações afirmativas precisam potencializar o ingresso das meninas negras na universidade, mas também dar suporte à sua permanência e ao ingresso no mercado de trabalho", comenta a professora, que revela estar estudando cada vez mais o assunto. 

A questão da representatividade também lhe toca. Rita conta que sua maior inspiração foi a própria mãe, curiosa e inventiva com uma espécie de "ciência do dia a dia". Nos laboratórios, entretanto, formou-se vendo e admirando o trabalho de homens brancos. "Não tive referências de cientistas negras mulheres. Para isso, precisamos muito de projetos inclusivos". 

Esses projetos começaram a pipocar na mesa de Rita, que está engajada em contribuir com meninas e mulheres negras que sonham com uma carreira acadêmica. A ideia é mostrar que existe um caminho. "Recentemente, fiz um material para apresentar alguns caminhos e oportunidades, como bolsas e intercâmbios. Projetos são muito importantes, mas é mais importante ainda exigir seu funcionamento – as cotas nós vemos, mas e o depois?". Ela lembra que apenas 10% das mulheres negras não evadem dos cursos e que essa estatística aumenta ainda mais as desigualdades. "Muitas vezes elas precisam abrir mão de um emprego e conseguir uma bolsa que não ajudam a mantê-las na universidade", pontua. 

E para aqueles que a usarem como algum exemplo de meritocracia, Rita tem respostas que também evocam seu seio familiar. A mãe estimulou que ela e os sete irmãos estudassem. Nem sempre é uma história típica - ou poucas vezes é. A desigualdade também gera famílias desestruturadas, em que esse apoio e esse exemplo podem ser raros. "Ela é visionária e até hoje me provoca a buscar as coisas. Por estímulo dela estou só agora fazendo o cursinho do Detran", brinca. "Há muitas famílias desestruturas, sem esse exemplo. Ela me ensinou a ser forte". 

Passados três meses da conquista do prêmio "Mulheres na Ciência", dividindo o tempo em entre entrevistas, lives, eventos acadêmicos e leituras e projetos para aumentar a participação de meninas e mulheres negras na ciência, Rita também chegou a novas descobertas científicas. Em dois artigos assinados com grupos de pesquisadores ao redor do mundo, assegura a precisão do espectro de raios cósmicos de alta energia, com dados obtidos desde 2004. A colaboração envolve cientistas do mundo todo: Argentina, Eslovênia, México, França.  "R. C. dos Anjos" está lá, encarando as galáxias como um objeto e tantos outros desafios como uma cientista, mulher, negra. "A pesquisa me deu essa oportunidade, mas os negros e negras ainda estão na base da pirâmide. Por isso, quando os poucos chegam nessa posição onde estou, é importante que trabalhem em projetos inclusivos, que ajudem a passar a mensagem: olhem, vocês podem chegar onde eu cheguei'". 

(Assessoria UFPR)

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