Dados alarmantes do Ministério da Saúde revelam que a cada 45 minutos uma pessoa comete suicídio no Brasil e as instituições de ensino superior, especialmente as públicas, como a Universidade Estadual de Maringá (UEM), têm papel primordial na contribuição dos estudos que ajudam a compreender e prevenir o fenômeno. Quando decide tirar a própria vida, uma boa parte das mais de 16 mil vítimas anuais no Brasil está matriculada numa faculdade, o que acende uma luz de alerta aos profissionais da área de saúde mental.
Todo ano é celebrada, nesta época, uma campanha deflagrada em 2013 pelo então presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, que inseriu no calendário nacional uma cruzada, em nível internacional, com o nome de Setembro Amarelo. A partir de 2014, a entidade se juntou ao Conselho Federal de Medicina (CFM) para reforçar a importância desta iniciativa, de modo a institucionalizar o 10 de setembro como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.
O Setembro Amarelo é a maior campanha anti estigma do mundo! e em 2024 o lema é “Se precisar, peça ajuda!”, com ações diversas sendo desenvolvidas. Campanha da qual o Ambulatório de Residência em Psiquiatria da UEM e a Pró-Reitoria de Recursos Humanos e Assuntos Comunitários (PRH) estão apoiando, distribuindo panfletos com informações sobre como devemos agir para conscientizar sobre o tema, como ajudar a quem precisa, como identificar um colega em sofrimento mental e onde buscar apoio.
A psicóloga Suzana de Oliveira Grabski, do Serviço de Medicina e Segurança do Trabalho (Sesmt), faz atendimento psicológico na modalidade de Psicoterapia Breve aos servidores e servidoras da UEM. O setor é ligado à Diretoria de Assuntos Comunitários (DCT), da PRH.
Grabski tem uma longa lista de espera com um número variado de queixas que vão desde problemas de relacionamentos até problemas de saúde emocional que englobam transtornos psiquícos mais graves. Os atendimentos são feitos por meio de sessões semanais com duração de cerca de quatro meses e, à medida que vão surgindo vagas, novos servidores são atendidos. “Não temos apenas um canal de encaminhamento. O próprio servidor pode procurar por atendimento e deixar seu nome na fila de espera ou podem ser encaminhados por outros profissionais que trabalham no Sesmt. Trabalhamos em parceria com o ambulatório de Psiquiatria da UEM que nos dá um suporte importantíssimo na prevenção e tratamento da saúde mental”, afirma.
Sobre se tem aumentado o número de pessoas com agravamento da saúde mental, a psicóloga considera se tratar de uma pergunta que exige a consideração de alguns fatores. Ela compreende que sempre houve uma demanda considerável de pessoas com problemas de saúde mental, “mas, com o passar do tempo, começamos a dialogar mais e de forma mais eficaz sobre estas questões. Temos trabalhado no sentido de minimizar preconceitos, tabus, o que contribui para uma maior compreensão e conscientização da importância de se cuidar da saúde mental”.
Estresse e ansiedade, fatores de risco
Porém, Grabski admite que não se pode negar que o estresse e a ansiedade são fatores de risco para doenças emocionais e o ritmo de vida atual contribui de maneira significativa para isto. A psicóloga se recorda de recentemente a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter divulgado um dado preocupante, segundo o qual no primeiro ano de pandemia de Covid-19 a prevalência de ansiedade e depressão aumentaram 25%. Nos últimos 15 anos houve um aumento expressivo na frequência de transtornos relacionados a este sintoma em todo o mundo.
Quais são os sinais que devem ser considerados para a identificação de uma pessoa com ideação suicida? Grabski diz que o suicídio é um fenômeno multifatorial que envolve fatores biológicos, psicológicos, sócio ambientais e culturais. “A avaliação e encaminhamento devem ser feitos por um profissional capacitado e por uma classificação dos fatores de risco, como, por exemplo, verificar se já houve uma tentativa prévia de suicídio, considerar a presença de transtornos psiquiátricos. É de grande relevância a depressão, o transtorno bipolar, analisar a história passada de ideação e comportamento suicida, histórico familiar de transtornos psiquiátricos e história familiar de suicídio”, assegura.
De acordo com ela, comportamentos como a desesperança, o desamparo, o sentimento de solidão, abusos, a sensação de descontrole, sentimentos de impotência frente às adversidades, perdas significativas, abandono, isolamento, dificuldade para comer e dormir, são fatores que devem ser considerados.
A psicóloga também sustenta que é importante falar abertamente sobre o suicídio. Lembrando que o suicídio se manifesta em decorrência de um sofrimento insuportável experenciado pelos indivíduos que o praticam e que umas das maneiras de trabalhar a prevenção é ter informações confiáveis sobre o tema, assevera que as ações educativas e os diálogos sobre o tema contribuem no sentido de trazerem acolhimento, esclarecimento de dúvidas. Contribuem à medida que possibilitam processos de identificação que auxiliam na busca por alternativas de tratamento. “A rede de apoio, amigos, vizinhos, família, etc, pode e deve contribuir também. A escuta por parte de pessoas próximas é importantíssima. Todos somos capazes de acolher, de ouvir e de auxiliar de alguma forma”, menciona.
Outro assunto recorrente é se as redes sociais e algumas séries por streaming trouxeram algum componente negativo no aspecto da ideação suicida. Grabski admite ser fato que as redes sociais têm um grande impacto sobre o comportamento humano. É perceptível uma crescente insatisfação e ansiedade por conta do mundo “perfeito” das redes sociais. Para ela, processar todas estas informações exige maturidade, reflexão e a compreensão de que muitos dos conteúdos que nos são apresentados nas redes sociais não condiz exatamente com a realidade.
Conforme ela, o mundo virtual é um mundo ideal e o mundo ideal não existe. “As exigências, desta forma, tornam-se insuportáveis. Nenhum ser humano é capaz de atender todas estas demandas tais como nos são apresentadas e, por conta disso, há uma crescente insatisfação. O isolamento social também é crescente, o sedentarismo, o hiper foco nas redes sociais que podem levar a quadros de dependência são situações que poderão ocasionar o surgimento de uma sintomatologia ansiosa e depressiva”, descreve.
A forma de se relacionar dos jovens foi modificada, assevera a psicóloga. Segundo ela, o mundo virtual tornou possível um número maior de interações por meio de sites e aplicativos, aumentando as trocas de experiências entre indivíduos vulneráveis, resultando em fatores de risco para a saúde mental e o comportamento suicida.
Compete ao Sesmt pôr em prática um conjunto permanente de ações, medidas e programas, previstos em normas e regulamentos, com o objetivo de fazer a prevenção de acidentes e doenças. O foco é tornar compatível permanentemente o trabalho com a preservação da vida, a promoção da saúde do trabalhador e do meio ambiente de trabalho, para garantir um nível mais eficaz de segurança e saúde a todos os trabalhadores.
Ambulatório de Psiquiatria
No Ambulatório de Psiquiatria, os residentes da especialidade oferecida pelo curso de Medicina da UEM acompanham a saúde mental de membros da comunidade universitária, em um espaço instalado no câmpus-sede, em Maringá.
Segundo o coordenador do Programa de Residência, o professor e médico psiquiatra Mauro Porcu, os dados de que praticamente 100% dos suicidas têm algum transtorno psiquiátrico aumenta significativamente a responsabilidade do psiquiatra. “Isso ocorre porque o psiquiatra é o profissional de saúde mental mais capacitado para diagnosticar, tratar e acompanhar pessoas com esses transtornos, que podem incluir depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia, transtornos de ansiedade, entre outros. A prevenção do suicídio passa, em grande parte, pela identificação precoce e manejo adequado dessas condições”, revela Porcu, o que, conforme ele, coloca o psiquiatra em uma posição central tanto na prevenção quanto no tratamento de indivíduos em risco.
Na análise do médico, essa responsabilidade envolve não apenas a competência técnica, mas também a ética de agir proativamente, desenvolvendo estratégias eficazes de tratamento e monitoramento, além de trabalhar em colaboração com outros profissionais da saúde. Ainda de acordo com ele, o psiquiatra também precisa ser sensível aos fatores biopsicossociais que podem agravar o risco de suicídio, garantindo uma abordagem integral e personalizada ao paciente.
Porcu ensina que, além da depressão, outras causas e condições que podem contribuir para que uma pessoa chegue ao ponto de tirar a própria vida incluem o transtorno bipolar, os transtornos de ansiedade, os transtornos ligados ao uso de substâncias, a esquizofrenia, transtornos de personalidade, fatores psicossociais e doenças físicas graves ou crônicas, além de histórico de trauma ou abuso.
Pessoas com transtorno bipolar, especialmente durante os episódios depressivos ou mistos, têm um risco elevado de suicídio.
Já, a ansiedade generalizada, o transtorno de pânico e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) estão associados a um risco aumentado de suicídio. Sobre os relacionados ao uso de substâncias, Porcu afirma que o uso abusivo de álcool e drogas aumenta o risco de comportamentos suicidas, tanto devido ao impacto na saúde mental quanto pela impulsividade que essas substâncias podem induzir.
Pacientes com esquizofrenia podem ter um risco significativo de suicídio, especialmente no início da doença ou quando têm consciência de sua condição. O transtorno de personalidade borderline, em particular, está fortemente associado a tentativas de suicídio devido à instabilidade emocional intensa e dificuldades nos relacionamentos.
Quando o assunto envolve fatores psicossociais, o psiquiatra sustenta que situações de estresse agudo, como perda de emprego, rompimento de relacionamentos, isolamento social, abuso sexual ou físico, bullying e problemas financeiros podem precipitar pensamentos suicidas, mesmo em pessoas sem transtornos psiquiátricos diagnosticados.
As doenças físicas graves ou crônicas englobam condições como câncer, HIV, dor crônica ou deficiências físicas, que também estão associadas ao aumento do risco de suicídio, especialmente quando há sofrimento físico intenso ou perda da qualidade de vida.
Na consideração do professor da UEM, o histórico de trauma ou abuso diz respeito às experiências traumáticas, como violência, abuso infantil ou negligência, tidos como fatores de risco significativos.
“Esses fatores, em conjunto com a falta de suporte social ou familiar e o estigma relacionado à busca de tratamento, podem intensificar o sofrimento psicológico e aumentar o risco de suicídio. É essencial que os profissionais de saúde mental, como psiquiatras, estejam atentos a esses múltiplos fatores e ofereçam intervenções adequadas”, orienta.
Tabu na imprensa não é bom
Porcu entende como contraproducente a atitude da imprensa de ter estabelecido o tabu de que não se deve falar sobre suicídio. A explicação dele, primeiro, é que este tabu é baseado no efeito Werther, um fenômeno pelo qual a cobertura midiática sensacionalista ou inadequada de suicídios pode levar a um aumento de casos semelhantes, especialmente entre pessoas vulneráveis. Mas, diz ele, a abordagem de não falar sobre suicídio pode ser prejudicial, pois silencia uma discussão importante e impede que informações sobre prevenção e recursos de ajuda sejam amplamente disseminadas.
“Minha opinião é que o suicídio deve ser discutido na imprensa, mas de maneira responsável, seguindo diretrizes específicas para evitar efeitos nocivos”, afirma ele, para quem ao invés de evitar o tema por completo, a mídia deve evitar detalhes explícitos (não se deve divulgar o método utilizado ou detalhes gráficos sobre o ato), focar na prevenção e apoio (as reportagens devem incluir informações sobre onde buscar ajuda, como linhas de apoio, centros de atendimento e orientações de como identificar sinais de risco), humanizar a narrativa (destacar histórias de superação e de pessoas que enfrentaram crises e conseguiram ajuda pode ser um incentivo positivo para outros buscarem apoio, evitar a romantização ou glamourização (o suicídio não deve ser tratado de forma a parecer uma solução para problemas, especialmente em casos de celebridades ou figuras públicas, para não criar uma percepção equivocada) e educar o público (a imprensa tem um papel importante em informar o público sobre fatores de risco, sinais de alerta e como agir diante de uma pessoa em crise suicida).
De acordo com o professor, falar sobre suicídio de forma apropriada pode contribuir para a conscientização, quebrar o estigma e estimular as pessoas a buscarem ajuda. Portanto, o desafio não é se deve ou não falar sobre suicídio, mas como fazê-lo de maneira ética e eficaz, com foco na prevenção e no cuidado.
O suicídio pode ser prevenido? Como?
Sim, é a resposta do psiquiatra, e a prevenção envolve uma combinação de estratégias que atuam em diferentes níveis, seja pessoal, familiar, social e institucional. Embora o risco de suicídio seja complexo e multifatorial, algumas ações podem reduzir significativamente a probabilidade de que uma pessoa em risco chegue a cometer o ato.
Ele enumera como algumas das principais formas de prevenção o acesso a tratamento de saúde mental, a identificação precoce dos sinais de alerta, a redução do acesso a meios letais, o suporte social e familiar, as campanhas de conscientização e combate ao estigma, o monitoramento e acompanhamento contínuo e as intervenções comunitárias e políticas públicas.
Na concepção do médico, a combinação dessas medidas pode salvar vidas, uma vez que muitas pessoas que pensam em suicídio estão em sofrimento agudo e, com o suporte e tratamento adequados, podem superar esses momentos de crise.
O professor diz que as chances de suicídio são significativamente maiores entre pacientes da psiquiatria em comparação com outras especialidades médicas. Isso se deve principalmente ao fato de que muitos pacientes psiquiátricos sofrem de transtornos mentais que estão fortemente associados a um risco elevado de suicídio, como depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia, transtornos de personalidade e o abuso de substâncias.
Embora pacientes de outras especialidades possam, em situações de sofrimento físico ou doenças graves, apresentar risco de suicídio (como em casos de doenças crônicas, terminais ou que causem dor intensa), os transtornos psiquiátricos afetam diretamente o estado emocional e o funcionamento psicológico do paciente, o que potencializa o risco de suicídio.
Além disso, muitos dos pacientes psiquiátricos enfrentam fatores adicionais, como isolamento social, estigma e dificuldades em manter relacionamentos e atividades cotidianas, o que agrava o sofrimento psíquico, explicita. “O psiquiatra, portanto, trabalha diretamente com pacientes que apresentam maior vulnerabilidade, tornando a detecção precoce do risco suicida uma prioridade central no tratamento”, ensina.
Muitos casos poderiam ser evitados em casa
Muitos casos de suicídio poderiam ser evitados em casa se os familiares estivessem cientes dos sinais de alerta e soubessem como agir para prevenir o suicídio. Neste caso, descreve ele, a família desempenha um papel crucial na identificação precoce do risco e no apoio emocional e prático aos indivíduos em sofrimento. De acordo com o professor, uma das formas pelas quais os familiares podem ajudar a prevenir o suicídio incluem o reconhecimento dos sinais de alerta (mudanças no comportamento: a família deve ficar atenta a sinais como isolamento social, perda de interesse em atividades antes apreciadas, alterações no sono e no apetite, ou expressões de desesperança), falar sobre morte ou suicídio (qualquer comentário sobre querer morrer, desistir da vida ou sobre se sentir um fardo para os outros deve ser levado a sério), alterações emocionais bruscas (irritabilidade extrema, tristeza profunda ou comportamentos impulsivos podem ser indicadores de risco), planejamento ou preparação para a morte (sinais como organizar pertences, escrever cartas de despedida ou se despedir de pessoas próximas podem ser indícios de risco iminente).
Outra maneira é manter uma comunicação aberta, ouvir sem julgamento (criar um ambiente de acolhimento, onde a pessoa se sinta segura para falar sobre seus sentimentos, pode ser fundamental para evitar o suicídio). Perguntar diretamente sobre pensamentos suicidas pode, inclusive, ser um ato preventivo importante, pois demonstra preocupação e oferece uma oportunidade para a pessoa desabafar) e não minimizar o sofrimento (evitar frases como "isso é só uma fase" ou "você tem que ser forte", que podem invalidar os sentimentos da pessoa).
Um outro fator é buscar ajuda profissional. Agir no sentido de encaminhar para tratamento (é crucial que a família incentive o indivíduo a procurar ajuda especializada. Psiquiatras, psicólogos e outros profissionais de saúde mental podem oferecer intervenções adequadas, como terapia e medicação), dar apoio ao tratamento (muitas vezes, a adesão ao tratamento pode ser difícil. A família pode ajudar lembrando o paciente de tomar a medicação, acompanhar em consultas e oferecer suporte emocional durante o processo).
Uma quarta forma seria reduzir o acesso a meios letais. Retirar armas e substâncias perigosas de casa (armas de fogo, medicamentos em grande quantidade ou substâncias tóxicas devem ser removidas ou guardadas em locais seguros, fora do alcance de pessoas em risco) e monitorar o uso de medicamentos (controlar o acesso a medicamentos potencialmente perigosos, como antidepressivos ou sedativos, pode evitar tentativas impulsivas de suicídio).
Também é importante, conforme o médico, criar uma rede de apoio, fortalecendo laços familiares e sociais, uma vez que o isolamento social é um dos maiores fatores de risco para o suicídio. É preciso manter contato regular e mostrar que a pessoa tem com quem contar pode fazer a diferença e participar de grupos de apoio (algumas famílias podem se beneficiar de grupos de apoio para compreender melhor o comportamento suicida e como lidar com ele).
Também é relevante estar presente em momentos de crise, dando atenção em momentos críticos, em que, após eventos traumáticos ou momentos de perda, os familiares devem prestar mais atenção ao comportamento emocional do indivíduo. Momentos de crise podem aumentar o risco de suicídio. Vale manter vigilância próxima, com atenção para o caso de a pessoa demonstrar sinais de risco iminente, podendo ser necessário manter vigilância próxima e constante, buscando apoio de profissionais ou emergências psiquiátricas, se necessário.
A educação e conscientização é outra maneira, com foco na informação sobre a saúde mental. Quanto mais informada a família estiver sobre transtornos mentais e o comportamento suicida, melhor preparada estará para lidar com essas situações. Conhecer as causas, os sinais e as estratégias de prevenção é uma ferramenta poderosa para salvar vidas. Segundo Porcu, é necessário desconstruir tabus e estigmas, falando abertamente sobre saúde mental na família, sem vergonha ou preconceito. Isso pode encorajar quem está em sofrimento a buscar ajuda sem medo de julgamento.
Enfermagem cria estágio na psiquiatria
Junto com o médico Mauro Porcu, o curso de Enfermagem da UEM iniciou, neste ano, no ambulatório de Psiquiatria, um estágio de internato dos alunos de Enfermagem, fazendo a primeira abordagem, identificando fatores de risco e de proteção da pessoa que procura o setor, além de preparar o histórico do paciente, reunindo informações (se mora sozinho e se já teve algum problema de saúde, por exemplo).
A coordenação do estágio é da professora Marcelle Paiano, do Departamento de Enfermagem (DEN), para quem a intenção é fazer com que uma equipe multidisciplinar participe do cuidado ao acadêmico que procura o ambulatório em sofrimento mental. Segundo ela, os internos da Enfermagem atendem quando, eventualmente, há alguma urgência, uma crise de saúde mental. Os graduandos verificam os sinais vitais, a pressão arterial, temperatura e até a oximetria.
“A ideia é, além de oferecer o atendimento básico, de cuidado clínico, que possamos fazer a inserção da Enfermagem dentro do contexto de saúde mental”, esclarece Paiano. Os planos deste estágio incluem a ocupação de uma sala e, mais adiante, fazer com que o setor ofereça não apenas consultas, mas a criação de grupos e rodas de conversas, visando, junto com o atendimento existente, a promoção da saúde. A medida fará com que ao tratamento medicamentoso que o paciente recebe, possa-se somar, conforme a professora, o acolhimento baseado também na abertura de espaço para que ele possa expressar seus sentimentos, por exemplo.
Alguns dados
Pesquisas desenvolvidas em várias partes do Brasil e do mundo mostram que as causas do suicídio, a quarta que mais acomete jovens de 15 a 29 anos no País, resulta de fatores ambientais, sociais e econômicos.
Segundo informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, cresceu em 11,8% o número de suicídios entre 2021 e 2022. A ideia é que o mês de setembro seja marcado por discussões sobre os cuidados com a saúde mental, especialmente pela conscientização e prevenção do suicídio. Mais ainda: embora seja um momento de referência para tratar do assunto, ele não deve ser endereçado apenas nessa época do ano, pois se entende que o trabalho de sensibilização e auxílio deve ser contínuo.
Cerca de 700 mil pessoas cometem suicídio anualmente no planeta, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Como há episódios subnotificados, os números devem ultrapassar as 700 mil mortes oficiais. Com isso, estima-se em mais de um milhão de casos no mundo, de acordo com a ONU.
No Brasil, segundo o MS, entre 2016 e 2021, mais de 6,5 mil adolescentes cometeram suicídio. 84,4% desses jovens tinham entre 15 e 19 anos, eram homens (67,9%) e pretos ou pardos (56,1%).
Os números estão diminuindo em nível global, mas os países das Américas vão na contramão dessa tendência, com índices que não param de aumentar, segundo a OMS.
Praticamente 100% de todos os casos de suicídio estavam relacionados às doenças mentais, principalmente não diagnosticadas ou tratadas incorretamente. Dessa forma, a maioria dos casos poderia ter sido evitada se esses pacientes tivessem acesso ao tratamento psiquiátrico e informações de qualidade.
Importante problema de saúde pública, com impactos na sociedade como um todo, o suicídio mata mais que o HIV (vírus causador da Aids), malária ou câncer de mama, diz a Organização Mundial de Saúde. Só perde, nas estatísticas, para os acidentes de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal. O fenômeno é complexo, que pode afetar indivíduos de diferentes origens, sexos, culturas, classes sociais e idades.
A desigualdade econômica como causa
Um estudo feito com a colaboração da professora de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Vera Paiva, sanou uma lacuna nas estatísticas de suicídio entre jovens brasileiros. Segundo o artigo, comumente associado a doenças mentais, o suicídio pode estar atrelado a motivos sociais, mais intrinsicamente “à desigualdade econômica, um crescimento de desemprego, da flexibilidade de emprego, a falta e a destruição das políticas de proteção social”, diz a professora do Instituto de Psicologia da USP.
O problema “tem sido associado com desigualdade de gênero”. O estudo revela que a taxa de suicídio é maior entre meninos e que está diretamente ligada a fatores socioeconômicos, de bem-estar social e pertencimento, como a renda baixa, bullying e até ao estudo no período noturno. Os jovens que estão diretamente expostos à LGBT+ fobia e que se assumem parte da comunidade LGBTQIA+ são o grupo mais afetado.
Em outra pesquisa acadêmica, sob o título de “Suicídio como sintoma social: um estudo sobre os impactos do capitalismo nas subjetividades”, Isadora Loyola Pinheiro e Camila Claudiano Quina Pereira, da Universidade do Vale do Sapucaí (Univás), em Pouso Alegre, Minas Gerais, concluíram que o suicídio é um fenômeno multifatorial.
Elas se propuseram analisar este fenômeno e sua relação com o capitalismo, tendo como base a determinação social da saúde e o cenário individualista deste modelo de sociedade que podem ser causadores da morte autoprovocada. Usando como metodologia a pesquisa bibliográfica, o estudo constatou a precarização da vida na realidade brasileira e o sofrimento social incutido à população marginalizada. Isso, mediado pelas desigualdades do sistema capitalista, dentre elas o desemprego, precarização do trabalho, racismo, sexismo, lgbtfobia e a pobreza como alguns dos elementos envolvidos no suicídio.
Pinheiro e Pereira verificaram a importância de considerar os atravessamentos sociais, políticos, econômicos, históricos e culturais no debate sobre a morte voluntária e na promoção e valorização da vida, contrapondo uma visão individualista e reducionista do fenômeno
(Paulo Pupim/UEM)