Uma pesquisa na área de Biotecnologia iniciada, em 2021, pelo doutorando Clenivaldo Pires da Silva e o professor João Alencar Pamphile, falecido no mesmo ano, vítima da covid-19, resultou no desenvolvimento do programa de computador Gel Analysis App - Molecular Analysis Automation System. O software reduz consideravelmente o tempo de leitura de géis de eletroforese - técnica laboratorial usada para separar proteínas com base em seu tamanho, carga elétrica ou outras propriedades em análises. Com ele, a análise de DNA, que pode levar até uma semana, teve a duração do processo reduzida para apenas alguns poucos minutos.
“A rapidez dessa análise diante do método tradicional é surpreendente. Para se ter ideia, manualmente, em alguns dos géis demoramos até uma semana para fazer a leitura. Se tiver cerca de 300 fragmentos de DNA amplificados de vários indivíduos, vou demorar uma semana, pois faço a leitura visual de cada um. Pelo software, a leitura cai para minutos. É uma economia de tempo grande e de precisão também, porque imagine você separar visualmente fragmentos de DNA de alguns milímetros. Com o software, temos grande ganho temporal e de precisão”, comemora a professora do Departamento de Biotecnologia, Genética e Biologia Celular (DBC), Claudete Aparecida Mangolim, que assumiu a pesquisa como orientadora de Silva.
O doutorando conta que participar do projeto tem sido um aprendizado intenso de várias ferramentas de tecnologia. “Está sendo ótimo para o meu crescimento profissional, pois estou aprendendo cada vez mais. Atualmente, estou trabalhando muito com o Bootstrap, que é uma ferramenta para desenvolvimento HTML, CSS e JavaScript. Com ela, geramos as árvores de filogenética, muito usadas na Biologia”, diz Silva. As árvores filogenéticas são estruturas que expressam a similaridade e ancestralidade entre as pessoas.
Um dos diferenciais do software é que, por meio da Inteligência Artificial (IA), ele faz identificações e anotações automatizadas do que são poços, marcadores de peso e bandas, realizando a leitura de géis com pouca intervenção humana. Além disso, o programa tem interface fácil e intuitiva. Segundo Mangolim, o programa integra a análise dos fragmentos de DNA amplificados com a análise genética. “O processo começa com a aplicação do material genético no gel, depois fazemos a eletroforese, onde separamos os fragmentos por tamanhos. Em seguida, fotografamos a imagem e adicionamos no programa. A eletroforese é como se fosse uma peneira, você coloca esse material e o separamos nesse gel”, comenta Mangolim.
A orientadora da pesquisa complementa que por meio do Gel Analysis é possível fazer uma análise de diversidade genética, identificando igualdades e diferenças entre os indivíduos. “Temos várias aplicações, como por exemplo, marcadores para doenças e até mesmo teste de paternidade”, comenta Mangolim.
Automação laboratorial
O coorientador da pesquisa, professor Julio Cesar Polonio, do DBC, explica que a motivação para a criação do software surgiu da própria demanda laboratorial de leituras de géis. No decorrer do estudo, houve a necessidade da entrada de pesquisadores das áreas de matemática e informática. Para dar este suporte, entraram no estudo o mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação (PCC), formado em Matemática, Mateus Filipe Tavares Carvalho, e os professores do Departamento de Informática (DIN), Yandre Maldonado e Gomes da Costa e Franklin César Flores.
Polonio esclarece que os fragmentos de DNA são como fingerprinting, nossa impressão digital molecular, única para cada pessoa. “Obviamente, não é uma coisa tão simples de ser analisada. Dependendo do nível de informação que você tem para cada marcador, ele pode ser algo bem complexo de ser lido usando esse sistema eletroforético. Então, trazer uma ferramenta que automatiza essa análise, acelera e muito sua capacidade, além de reduzir possíveis erros humanos durante a análise”, enfatiza o pesquisador.
“O software não me dá informação a nível de sequência de DNA, mas dá padrões de DNA de diferentes indivíduos. É como se eu estivesse analisando a diferença de impressões digitais de um grupo de pessoas, como é o caso de um exame de paternidade, em que são avaliados amostras genéticas entre indivíduos quem tem maior proximidade genética”, salienta Polonio.
Segundo Costa, ele e Flores vêm percebendo várias situações de laboratórios dentro da UEM, principalmente da Biologia, em que as pessoas têm tarefas manuais repetitivas, que podem ser automatizadas. “Estamos investindo na automação porque esses processos ficam cansativos e conforme o anotador humano vai realizando ao longo do tempo, também vai ficando suscetível a erro. Após a automação usamos algum protocolo estatístico para tentar verificar se o que a máquina está fazendo está compatível com o que o humano estava fazendo, para garantir que não haja comprometimento do resultado. Esse é mais um exemplo interessante que deu certo”, avalia.
Costa revela que o protocolo de Inteligência Artificial utilizado para a criação do software foi o algoritmo YOLO (You Only Look Once). “Usamos esta IA porque a ideia é que esse modelo consiga aprender rapidamente a identificar os padrões para depois fazer a segmentação adequada. Nesse protocolo do gel, ele forma uma espécie de uma matriz com várias posições específicas, e conforme as reações vão acontecendo ao longo do tempo, o gel vai assumindo cores diferentes, em posições diferentes, e aí o principal que a gente precisava era identificar isso e segmentar adequadamente essas posições”, descreve.
Polonio frisa que atualmente no mercado existem outras ferramentas que auxiliam na leitura de géis, mas com análise de inteligência artificial, especificamente com a ferramenta Yolo, o Gel Analysis é o primeiro. “Hoje, temos equipamentos que possibilitam a automatização total desse processo, que é a própria eletroforese capilar, só que, para um laboratório que não tem uma demanda tão alta de análises, o preço do equipamento é inviável. Assim, a possibilidade de incorporar esse sistema junto ao fotodocumentador para gel de eletroforese, que hoje deve estar custando cerca de R$ 30 mil, e incorporar essa ferramenta de Inteligência Artificial para auxiliar o pesquisador a ganhar tempo, é tipo um upgrade”, relata.
Costa acredita que a sinergia que vem acontecendo entre os grupos de pesquisa do DIN e DBC pode resultar em muitas outras ferramentas de automação. “Nós nos conhecemos no registro de outro software que fizemos, também automatizando tarefas típicas do laboratório do DBC. Pelos resultados que estamos tendo e pelo entrosamento que temos, provavelmente muitas coisas podem continuar acontecendo”, vislumbra.
De acordo com Polonio, já existe a intenção de expandir este estudo para análise de outras biomoléculas, como proteínas, até mesmo o RNA (ácido ribonucleico). “Ou mesmo com outras moléculas, como metabólitos secundários, ensaios cromatográficos. Enfim, temos um leque de várias possibilidades para serem exploradas, mas são coisas que ainda precisam de amadurecimento”.
Gel Analysis
O software Gel Analysis APP tem as seguintes funcionalidades para interpretações de géis de eletroforese: recorte de imagens; aplicação de filtros de suavização; transformação das imagens em tons de cinza; ajuste de cores, brilhos e nitidez; leitura, interpretação e análise automática dos resultados obtidos por meio de imagens digitalizadas de géis de eletroforese; reconhecimento de poços e marcadores com muita precisão; gera matriz de similaridade e dissimilaridade; e gera árvores de filogenéticas.
A nova tecnologia está registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e integra o portfólio de tecnologias do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da UEM. Segundo o NIT, os pedidos de licença para uso do software devem ser encaminhados diretamente ao NIT pelo e-mail nit@uem.br.
(Marilayde Costa/UEM)