Num muro de frente para a casa em Caxias do Sul uma menina era encorajada pelo pai a ir para o gol para não ter medo da bola. Assim começou a trajetória de Diana, fixa da Seleção Brasileira, que a levou até os ginásios do mundo. Nessa entrevista a CBF TV, ela revisita as histórias que viveu com o futsal. Se você gosta de histórias com as emoções que o esporte proporciona, esta entrevista traz relatos sobre coragem, sobre uma mãe que organizava almoço beneficente para realizar os sonhos da filha e também sobre retribuir os sacrifícios feitos pela família. Essa é a narrativa que Diana traz: simples, direta e potente. Mais do que falar de carreira, é sobre as escolhas que conduziram Diana representar o Brasil na primeira Copa do Mundo da história da modalidade e da certeza que o futsal feminino merece ser visto, respeitado e celebrado.
Qual memória da sua infância você tem que explicaria o por que você escolheu o futsal?
Ver meu irmão Vinícius jogar com os amigos dele lá na nossa rua. Como eu era menor e também pelo fato de ser menina, eles me deixavam jogar pouco pra não machucar. Então, ali me despertou essa paixão e vontade de estar ali. E o meu pai também, que já é falecido, ele sempre também me apoiou. A gente ia lá jogar, eu e ele, mais um outro vizinho. Na frente da minha casa tinha um muro e a gente fazia um golzinho ali. Eu ia para o gol e meu pai dizia que podia chutar forte. Acho que meu pai tinha uma ideia de me deixar mais forte, de não ter medo da bola, talvez.
Falando em família, quando você olha para sua trajetória, como ela foi seu suporte até você realizar o seu sonho de viver do futsal?
Minha mãe sempre acompanhou tudo mas ela precisava trabalhar. Meus pais se separaram muito cedo, e ela ficou com a responsabilidade de criar quatro filhos. Por isso meus avós me levavam aos jogos porque tinham carro. As famílias organizavam almoços para arrecadar dinheiro para bolas, uniformes e viagens. E eles participavam de tudo, ajudando a organizar, arrecadar doações, contando com apoio de pessoas que contribuíam com alimentos e outras coisas. Isso tudo marcou muito a minha memória. Hoje, olhando para trás, vejo que tudo valeu a pena: cada almoço, cada esforço. Ela tirava dela para me dar.
Sua mãe aparece como um pilar em toda a sua história. Em que momento você percebeu que o sacrifício dela se transformou no combustível que impulsionou sua carreira?
Eu penso muito nos sacrifícios da minha mãe. Quando fui para o Kindermann, em Caçador, eu ganhava uns 50 reais por mês e me virava como dava. Às vezes, eu ligava para ela pedindo 20 reais, e ela sempre dava um jeito, mesmo eu sabendo o quanto era difícil... casa para sustentar, três filhos além de mim, e meu pai não pagava pensão. Sou muito grata por tudo que ela fez. E agora, tudo que eu posso fazer por ela, eu faço. Tento retribuir, pelo menos um pouco, de tudo o que ela fez por mim. E, pensando nisso, eu sempre me dediquei ao máximo para chegar no lugar mais alto, que é a Seleção. Hoje eu estou aqui, feliz e grata por viver esse momento. Devo tudo a ela. Tudo!
Qual foi o momento decisivo em que você percebeu que você tinha encontrado o seu caminho no esporte?
Na escola, a gente começou a disputar os jogos escolares, lá dentro de Caxias. Num desses momentos, a minha mãe, que trabalhava como técnica de enfermagem, participava daquelas ações nos bairros e por coincidência do destino, tinha um campo bem do lado. Ela viu o time das meninas jogando no campo e perguntou ao técnico, que era o Rudinei, como é que funcionava porque ela queria colocar na escolinha. Começei no campo ali, que era o núcleo do Juventude. Durou pouco, uns três meses, e acabou o time. Aí a gente migrou para o futsal. Começamos a treinar numa quadra de uma escola com professor Rogério e Rudinei e fizemos uma parceria com o time de lá. Viramos família e essa convivência foi decisiva para o meu crescimento. A gente começou a se destacar e o Chimarrão Futsal, um time multicampeão, me convidou para jogar uma taça Brasil sub-15 e eu fui. Depois joguei a Taça Brasil sub-17 e sub-20. Tive uma outra perspectiva do futsal. Eu queria aquilo para minha vida. Foi aí que eu conheci a equipe do Kinderman, em 2008. Era uma equipe muito forte. Eu escrevi pra eles para fazer um teste lá. Fiz e passei. Aí joguei 2009 lá, e fiquei até metade de 2010.
Depois você foi para o Brusque, onde permaneceu muito tempo...
Quando eu fui para Brusque, o time era formado só por meninas novas, todas sub-20. Acho que, se tinha uma mais velha, deveria ter uns 21 anos. A gente acabou crescendo todo mundo junto ali. E, sinceramente, foi em Brusque que eu construí a minha carreira. Fiquei lá no Barateiro, de 2010 até 2016, e nesse período nós conquistamos muita coisa, praticamente tudo, né, ao longo desses anos. Foi também lá que eu vim pela primeira vez para a Seleção, em 2012. Eu fui a primeira atleta deles a ser convocada.
Em Lages foram três temporadas com o Leoas da Serra. Como foi essa passagem?
O Leoas da Serra marcou demais a minha carreira. Foi um clube que não só venceu, mas tem uma grande importância na história do futsal feminino colocando em jogos mais de 8 mil pessoas em ginásios. Lá eu vivi desde as conquistas do Estadual Catarinenses, Copa do Brasil e da Libertadores, até a conquista do primeiro e único título intercontinental feminino. Foi um jogo contra o Atlético de Madrid, campeão da Champions, e nós éramos campeãs da Libertadores. O mais incrível é que nosso clube bancou praticamente tudo para isso acontecer, algo que outro time não conseguiu repetir. Fazer parte daquele projeto foi importante para mim. Foi, com certeza, um dos períodos mais especiais da minha vida.
Você citou saudade, gratidão, suas raízes, o chimarrão. Você está desde 2021 no Bitonto C5 e é tricampeã da Copa Itália. Como foi a mudar para Europa?
Eu sempre joguei no Brasil. Ir para fora era aquela conversa de “quem sabe, um dia”. Quando realmente aconteceu, fui para ter uma experiência: conhecer outra cultura, ver como era o nível lá, viver algo diferente. Minha irmã sempre me acompanhou e disse: “Se tu for, eu vou junto.” Então fomos, para viver aquela experiência juntas. Ver de fora é uma coisa; viver é outra. A ideia era ficar um ano. Agora estou na quinta temporada. No começo foi difícil, somos muito ligadas à família. Quando fomos para a Itália, era só eu e minha irmã. Às vezes faltava um colo de mãe. Mas ela abriu mão de tudo e foi comigo. Até hoje sou grata por isso. Ela está lá até hoje. Hoje temos o Ben, meu sobrinho, e minha esposa, então tudo mudou. Hoje estamos bem adaptadas. Fazer o que amo e podendo dar uma condição melhor para eles aquece o coração.
Falando de Seleção Brasileira… você é convocada desde 2012. Mesmo sendo um sonho, imagino que cada convocação sempre surpreenda, pela qualidade das atletas e a concorrência. O que significa representar o Brasil na primeira Copa do Mundo FIFA?
Sempre foi meu sonho. Primeiro, chegar na Seleção. É uma gratidão imensa, um orgulho que não cabe no peito. E essa convocação, especialmente, é muito especial: representar o Brasil na primeira Copa do Mundo. Eu estava muito ansiosa pela lista final. Quando ouvi meu nome, fiquei em choque. Era aquilo que eu queria tanto e aconteceu. É muita responsabilidade. É gigante. Fiquei surpresa, feliz, aliviada. Foi um turbilhão de emoções.
Você esta entre as atletas que inauguram esse capítulo histórico. Como você acha que a Copa do Mundo vai transformar o futsal feminino?
Sim. Espero, na verdade, que dê um giro de 360° no futsal: que seja visto como merece, que a gente seja valorizada como profissional. Treinamos todos os dias, dois períodos. Não é “futsal feminino”, no sentido pejorativo que alguns usam, como se fosse ruim, bagunçado. Nós entregamos um produto de qualidade, entregamos resultado. A gente quer ser vista, reconhecida, apoiada como um produto de verdade, não como um hobby ou algo que precise de pena. Não é vitimismo. Queremos o reconhecimento que merecemos. Espero que a Copa traga ainda mais visibilidade do que já estamos conquistando, porque houve um movimento enorme antes mesmo do anúncio oficial da competição. A gente só quer o que é devido.
Pra fechar: como você enxerga essa Seleção que está em busca do título do primeiro mundial FIFA?
Vejo uma seleção leve, mas com enorme senso de responsabilidade. As 14 atletas são conhecidas, vencedoras, com histórias fortes. Mesmo assim, teremos que provar por que estamos aqui. Não deveria ser assim, mas é a primeira Copa, está todo mundo olhando. Vejo uma seleção forte, consistente dentro e fora de quadra, determinada e preparada para buscar essa primeira estrela.
(Texto: CBF Oficial. Foto: Fabio Souza/CBF)